segunda-feira, março 21, 2005

Morcego Negro - (Interlúdio)

Nina olhava para o visor do celular como se estivesse numa praça à espera dum encontro marcado para jamais acontecer. Todas as pessoas do mundo passariam por ali, diante de seus olhos mas seriam ninguém, um grande e anônimo ninguém. Ainda assim, alguma delas poderia vir a ser alguém. Ela desconfiava, ela e sua intuição de mulher.

Se desconfiava, devia lá ter suas razões. Não tinha vocação para santa e, de coração, duvidava da palavra de moças virgens - o que lhe rendeu disputadas polêmicas em sua formção em em colégio de freiras e numa pontifícia universidade católica. Como crer em alguém que não busca verdades absolutas em seus instintos mais primários?

A angústia daquela espera era o fato de não depender da boa e velha equação metafísica descartiana (ou seria newtoniana?) a envolver tempo e espaço. Nina sabia que um dia teria Bruno diante de si outra vez, mas não tinha como saber se já seria tarde ou longe demais. Não sabia se seria bom tê-lo perto, mas desconfiava que não tê-lo faria falta. Essa incerteza, ainda que não a impedisse de aproveitar bem suas horas de sono como melhor lhe aprouvesse, essa incerteza era o engasgo em seu Toddy matinal.

O que incomodava naquela espera a sua própria existência, que se fundia a uma não-razão de existir. Porque o caso com Bruno nunca havia sido cercado de promessas, que ela as detestava. Havia o desejo, havia mesmo certo carinho além daquele físico, mas ela nunca deixou a situação estagnar porque sabia que mais dia menos dia, um deles iria fugir. Não há porque transformar um instante de beleza em eterno retorno, ela escreveu no bilhete que deixaria de despedida para Bruno naquela tarde, mas o amassou, o jogou pela janela e sumiu.

Não soube mais de Bruno, porque ele não saberia mais dela. Eram adultos e capazes de seguir em suas próprias direções, e aí se complica a trama. Não havia culpa ali, porque não houvera crime, não houvera mentiras, nem verdades. Só houve eles dois, em encontros desencontrados por pouco mais de um mês. Ela não queria sentir culpa, nem saudades, nem fome. Não era tão fácil?

No entanto, não era tão fácil. O telefone tocou, mas era engano.