terça-feira, janeiro 04, 2005

Toda Forma De Amor
Cena 3

Lúcia abriu os olhos e viu aqueles braços e pernas tão pequenos chorando, numa dança que comunicava vida. Ainda estava meio grogue e acordar em hospitais não costumava ser experiência grata, todo aquele branco e verde lhe davam enjôos, mas então chegou o som. Alguém, uma criança decerto, chorava perto dela. Junto da criança uma mulher vestia branco e amparava a criança nos braços enquanto caminhava em direção à Lúcia. Parabéns, é uma menina, sorriu a enfermeira, uma linda menina.

O corpo ainda doía do trabalho de parto que consumira algumas horas. Lúcia havia gritado e sofrido para que a pequenina ali finalmente nascesse, e, então, tendo agora sua filha nos braços é como se ela tivesse acabado de nascer. Olhava aqueles olhos fechados e imaginava como um dia haveriam de ser, e também os membros tão gorditos ou a barriga cheia e aqueles ralos fios de cabelo. Que formas estariam se camuflando naquele corpo? Médicos e enfermeiras corriam dentro da sala de parto, alguns falavam com ela, perguntas e mais perguntas, nada daquilo devia realmente importar.

Por aquele breve instante do contato primeiro Lúcia quase desejou que Paulo Roberto, o pai daquela criança, estivesse ali para se alegrar pelo neném deles, mas foi só por aquele breve instante e não deixou de ser apenas um quase desejo. Apenas quase, como o pai que ele havia sido, um quase pai, assim como quase marido e quase amante. Paulo Roberto era apenas um fragmento de homem para ela, e sua filha havia de merecer alguém que o fosse por inteiro.

Como um sujeitinho daqueles, sujeitinho no diminutivo mesmo, havia sido capaz de dar a Lúcia alegria tão grande é um mistério que nada no mundo poderá decifrar. Corre a lenda de que Paulo Roberto era bonitão e dispunha daquela gaiatice típica nos homens pouco honestos, era um cara safo, poder-se-ia dizer. Lúcia bem lembra que na feitura da filha deles, Paulo Roberto balbuciou outro nome no gozo que não o dela, mas chamou por uma Carmem ou Carla ou algo assim. Dois meses depois, Paulo Roberto acordaria com a boca cheia de formiga por conta de dívidas no jogo do bicho. Era um sujeitinho, jamais iria entender aquela criança em seus braços.

Já Lúcia, bem, Lúcia não conseguia parar de olhar para a filha.