domingo, novembro 21, 2004

O cubano que quase mudou minha viagem

Sinceramente não sei por onde começar. Acho que me deterei apenas num curto texto, sem maiores pretensões e sem revelações interessantes. É, eu voltei de Cuba. Foram 12 horas sentado em aeroportos - José Martí e Ezeiza - e 11 sentado em aviões - Cubana de Aviación e Varig. E, mesmo tendo tido tanto tempo para organizar minhas recordações de viagem num bloco, só sinto vontade neste momento de falar da minha decepção inicial com os cubanos.

É importante deixar claro para nossos leitores que não, eu não pretendo ser cruel na análise que farei. Fui cruel em Cuba, admito, e deixei transparecer minha raiva por algumas horas, talvez um dia inteiro. Fui grosso com algumas pessoas e respondi outras com mais rigidez do que deveria.

O auto-julgamento de minhas atitudes indelicadas não esclarece coisa alguma. Cheguei a pensar que não estava acostumado com tanta miséria mas, convenhamos, as pessoas na Maré, na Rocinha e no Dona Marta são bem mais pobres do que os cubanos que conheci e com essas eu estou mais do que acostumado. Outra explicação - mais sensata - para meus atos pode ser uma antes duvidosa crença que tenho na bondade do ser-humano. Talvez eu tenha chegado em Cuba acreditando que, mesmo não fazendo amigos para toda a vida, eu seria capaz de criar algumas relações de confiança. Os cubanos me mostraram uma parte obscura de minha personalidade: que preciso confiar nos sentimentos das pessoas. Tantas aproximações com intenções pouco nobres me fizeram muito mal e provocaram indiretamente a perversidade que acometeu meu coração. Mas de longe não justificam.

Sim, o tão sempre simpático André Miranda foi pego numa onda de antipatia e mau-humor. Pensei, até, em pegar um avião e me isolar em Cayo Largo, uma pequena ilha cubana com uma praia de nudismo e praticamente só freqüentada por turistas. Ficaria peladão e solitário, curando meu ataque de raiva. Felizmente desisti - ainda mais por não ser exatamente um fã de praias.

A forma de agir dos cubanos já estava me incomodando quando o fato que relatarei aconteceu, no fim do meu segundo dia de viagem, por volta das 17h. O Capitólio cubano - uma réplica do americano, construído antes da revolução, onde hoje funciona uma espécie de sala de exposições e um centro de estudos - era meu local preferido para descansar depois de até sete horas de caminhadas (eu só peguei táxi em Havana nos traslados aeoroporto-hotel-aeroporto). Lá há uma varanda super simpática, vende-se cerveja importada e é possível acessar a internet.

Eu atravessava a rua para entrar no Capitólio quando um sujeito meio gordinho, aparentado uns 50 anos, avisou-em que meu cadarço, como sempre, estava desamarrado. Certa vez, contou-me que, bêbado de tanto rum, caiu de cara no meio da rua, ali perto mesmo, por causa de um cadarço desamarrado. Ficou com o nariz inchado por semanas, jurou o cubano. Simpatizei. Conversamos sobre futebol, telenovelas e o governo. Eu vinha num processo de decepção com o povo cubano e enxerguei naquele sujeito uma chance de redenção. Redenção mais minha - lembro que minha raiva me incomodava - do que deles, provavelmente. Como Camus, não tendo a aceitar as justificativas para a revolta do ser-humano.

Até que resolvi testar meu interlocutor, dizendo que lhe daria um presente. E ele se recusou a aceitar, mesmo sem ver do que se tratava. Era um bom cubano, sem sombra de dúvidas, e havia me conquistado.

Depois de mais um tanto de conversa, porém, tudo mudou. Eu tenho dois filhos, o leite é caro, será que você não poderia me arrumar uns U$ 3 ou U$ 4 para que eu alimente as crianças? Foi exatamente esse discurso, nem mesmo invento a indefinição do valor pedido. E, sabem, eu estava de coração aberto, estava realmente entregue àquele cubano e disposto a oferecer um trago, a fumar um charuto junto, a prometer mandar coisas pelo correio depois de minha volta.

Senti-me muito mal e quis sair dali. Quis sair de Cuba até, eu acho. Dei-lhe U$ 3 para que sumisse e sumi também. Paguei por uma hora de internet e me alienei. Fiquei pensando em alugar um carro e, ao invés de seguir o objetivo de minha viagem e conhecer a cultura cubana, conhecer apenas as estradas.

Passei a tratar muito mal todos que falavam comigo. Respondia secamente e ignorava alguns, até. No dia seguinte, uma professora cubana salvou minha viagem. Mas isso eu conto depois. O que vale dizer agora é que foi muito penoso conhecer e tentar entender os cubanos. Mas acho que me saí bem.