Inventando Dogmas
André é repórter. Leandro é assessor. Ambos são pagos para relatar os fatos do cotidiano e ocupam boa parte de seu tempo nisso. Mas não aqui. As narrativas ficcionais aqui alocadas são exatamente o que parecem: ficção. Se lhe apetecem parecência com o mundo real e cão, entre num curso de interpretação de textos, consulte seu oftalmologista ou vá ler Diário de Um Fescenino, de Rubem Fonseca. Se não resolver, você é um idiota e André e Leandro nada têm a ver com isso.
segunda-feira, outubro 18, 2004
FMI PUTO
Os hermanos argentinos devem morrer de orgulho toda vez que assistem a "O Filho da Noiva". Se não o fazem, deveriam. Há sutilezas em cada personagem que remetem ao espírito, não só do argentino, mas de todo el pueblo de la America del Sur que precisa vencer a luta diária da sobrevivência ao mesmo tempo em que se permite sonhar dias felizes, não felizes apesar de, mas felizes e ponto final. Os vícios das personagens sim, caricaturam os modos portenhos.
A grande sacada do diretor Campanella foi usar do cinismo para representar o amor, porque o amor é cínico, como a boa verdade. E "O Filho da Noiva" versa em imagens sobre a necessidade do amor através de metáforas envolvendo o coração, o doente coração argentino do protagonista. E, assim, o filme também é uma declaração de amor à terra de Mario Kemps, cínica e apaixonada. Apaixonada a ponto de haver uma pixação bem-vistosa na parede de um restaurante falido observado pelo protagonista que grita por bons quase cinco segundos na tela: FMI PUTO. Sem concessões, sem meias-medidas, sem polidez pra agradar ao pessoal do Oscar.
E só por esta alfinetada, e, vejam bem, o filme é quase uma açucarada comédia romântica, já há razões de sobra para o argentino sentir orgulho de seu cinema. É interessante, aliás, como o cinema argentino tem paixão por retratar seus povo através de seus vícios (vejam também Plata Quemada e Nove Rainhas), e desses vícios, construir caminhos e descaminhos para mostrar que também graças a eles, pode-se vencer afinal. Trata-se de se reconhecer, aquele velho primeiro passo da cartilha dos alcoólatras anônimos - se você se reconhece enquanto doente, então já começou a se curar.
Aqui no Brasil nem tudo está perdido. Beto Brant e Jorge Furtado conseguem enfiar a mão em nossa cartilha de jeitinhos e fazer cinemão, nos dizer umas boas verdades e valorizar nosso ingresso. Lógico, o preço disso tudo, da tal retomada, é aturar carandirus, olgas e afins. Já dizia o poeta, vence na vida quem diz sim. Eu vou continuar torcendo pra quem diz não e mostra o dedo só pra provocar.