quarta-feira, outubro 13, 2004

Diário de um cafajeste ou Como chegar no Andaraí?

Quando Karen me disse que morava no Andaraí, confesso que meus joelhos fraquejaram. Eu não sei coisa alguma sobre o Andaraí. Provavelmente já passei pelo bairro, mas nem sequer me dei conta. Eu tinha prometido que buscaria a recém conhecida moça em casa no dia seguinte, para leva-la ao cinema, a um restaurante e, confesso meus interesses, a um motel. O problema é que eu tinha vendido um discurso de que era um profundo conhecedor de toda a cidade, um jornalista rodado que fazia matérias em qualquer lugar que me pedissem com uma destreza sempre admirável.

E não era primeira vez que isso acontecia. Certa vez marquei de sair com uma menina que morava no Rocha. E eu nunca tinha ouvido falar nesse tal Rocha. É perto do Riachuelo, me disse a moça. Tive que ligar para cinco pessoas para aprender como chegar de ônibus no Rocha. Não foi uma tarefa fácil, nem mesmo compensadora.

Portanto, no instante em que Karen, aquela menina linda cujos cabelos ruivos eu estava doido para conferir a autenticidade, falou Andaraí, logo vi que estava me metendo em outra furada. Dessa vez eu não poderia ir de ônibus. Além de rodado, meu discurso dizia que eu era bem sucedido, rico e com condução própria. André, o garotão malandrão.

Conheci Karen na fila do cinema. Tinham duas pessoas na minha frente e uma atrás. Ela chutou meu calcanhar direito com seu pé esquerdo. Ah, me desculpe, foi sem querer, eu juro. Intenções à parte, não resisto mesmo a uma ruiva. O charme foi inevitável. Tudo bem, eu sei que não foi de propósito, mas está doendo um pouco, sabe? Ela, amável, quase chorou. Pediu dúzias de desculpas, acho que, se tivesse um pouco mais de intimidade, até diria que beijaria meu calcanhar para passar a dor que não existia e eu inventara para me aproximar mais da moça. Karen, pobrezinha, caiu naquele discurso canastra como uma boba, uma adorável boba.

Entramos juntos na sala e, dispostos a um sessão solitária de cinema, acabamos assistindo a Meninos de Deus juntos. Um bom filme, com doses certas de diversão, tristeza e, mais importante, romance. Risos, gracejos e beijos foram inevitáveis. Lá pelos 46 minutos de filme, simplesmente perguntei se ela estava gostando. Sim, e você? Do filme, sim, mas acho que eu estaria melhor se você me permitisse roubar um beijo. Tinha essa mania de "roubar" um beijo, acreditava que causava alguma sensação diferente nas moças.

Como vocês podem imaginar, ela consentiu. Tenho que explicar uma coisa, antes de continuar. Nunca, simplesmente nunca havia conseguido um beijo de alguém que eu acabara de conhecer na fila do cinema, sabe? E eu era o rei das filas. As de banco, então, eram uma maravilha para rapazes com segundas intenções. Porque se há uma moça bonita numa fila de banco, pode acreditar, ela está precisando de alguma atenção. E, nessas horas, a aproximação é facilitada. É lógico que essa era uma teoria desenvolvida por mim, baseada apenas num empirismo de anos. Mas quase sempre funcionava. Oi, essa coisa de esperar na fila para pagar contas é terrível, não? Proporciona dois momentos desagradáveis, a fila e as contas, não? E ainda é uma perda de tempo, não? Sair do desagrado que era enfrentar uma fila para o prazer de uma conversa era ótimo, para as moças.

Outra vantagem das filas de banco é que as pessoas não têm para onde correr. Eu calculava quantos infelizes ainda faltavam para chegarmos ao caixa e programava toda minha cantada para aquele tempo exato. O objetivo era entreter a moça até que chegasse sua vez. O próximo, por favor. Olha, meu bem, o caixa está te chamando. Aquele tom de voz blasé e desinteressado conquistava qualquer uma. Depois de pagar as contas, elas sempre me esperavam para uma palavrinha a mais.

Acho que até mesmo num banco do Andaraí eu alcançaria bons resultados. Mas com o cinema nunca deu certo. Era difícil encontrar uma moça sozinha no cinema que não quisesse realmente estar sozinha. Ver filmes sozinho é uma das práticas mais interessantes criada pela modernidade, afinal. Karen, então, era um achado, um item a mais para o meu currículo.

Para o prazer ser maior faltava apenas vencer aquele Andaraí orgulhoso. Não acredito que exista alguém que more no Andaraí sem se mostrar orgulhoso disso. Ela poderia até não gostar do bairro, mas duvido que revelaria esse defeito assim, com facilidade para um recém conhecido.

O combinado era que eu aparecesse por volta das 18h, para pegá-la em casa. Mas uma pesquisa no site da RioListas, à noite, em minha casa, me fez desistir. Ela havia dito que morava na Rua Andaraí. Escrevi Silva no campo nome, Rio de Janeiro no campo cidade, RJ no campo estado e Andaraí no campo endereço. E todos, exatamente todos os resultados gerados mostravam Silvas que moravam na Rua Andaraí. Até apareceu uma Rua Pico Andaraí, mas essa fica na Taquara. No Andaraí mesmo, só a Rua Andaraí.

Meu preconceito, infelizmente, falou mais alto do que a vontade de conhecer Karen mais a fundo. Imagina se a tal Rua Andaraí for apenas de mão única. Seriam muitos bairros estranhos para passar apenas para sair com uma ruiva. Não acho que valeria a pena. Não apareci no encontro e lamentei não ter tido a oportunidade de comer Karen.