Eu queria ter um milhão de amigos
Apesar de aparentemente bobo, o orkut é uma baita invenção da internet. É a verdadeira personalidade virtual que já tentaram criar com e-mails, icqs, chats e blogs, mas nunca conseguiram. E, não, não pensem que a única diferença é a foto. Meu e-mail do Mac já vai com uma bela fotinho para aqueles que também usam Mac - aliás, a mesma que aparece no meu orkut. O que mais impressiona são as possibilidades de exposição de personalidade que, antes, nunca foram tão complexas.
O que nós fazemos, todos, é uma farsa. Brincamos de representar quem gostaríamos que os outros achassem que fossemos. Padres, putas, jornalistas, técnicos do judiciário: santos, ninfomaníacas, doutores e surdos. Tudo pura representação. Para o dia-a-dia é justamente essa falsidade que importa, é ela que o mundo vê e com quem o mundo relaciona. Basta caprichar na atuação.
É bem mais fácil representar quem se gostaria que fosse no mundo virtual, do que no real. Os chats são um belo exemplo. As pessoas podiam inventar personalidades, nomes, sexo, peso e altura. A representação, porém, perigava cair num ridículo, numa falsidade pouquíssimo crível. Os chats, tão populares outrora, acabaram virando uma brincadeira de projeções oníricas - positivas ou negativas -, sem o mínimo compromisso com a realidade. Banalizaram-se e, acredito, quase ninguém deve levar a sério a Loirinha19Rj perguntando "oi, quer tc?"
O grande sucesso do orkut talvez esteja justamente num compromisso maior com a representação do mundo real. Sim, alguém pode colocar uma foto de um astro de cinema, inventar um nome e dizer que adora neo-realismo italiano, mas e a graça de encontrar amigos, ex-namoradas e entrar na comunidade do colégio? Com nome falso, a Silvia, uma gostosa a quem dedicava-se muitos cultos a Onã na sétima série, não vai se lembrar de você. Reencontrar amigos, portanto, apesar de secundário, também é uma das graças do orkut.
Daí, se o internauta não esconder nome ou foto, fica impossível distanciar-se muito da representação do mundo real. Uma mentira muito grande, a não ser intencionalmente jocosa, só faria seu autor passar por babaca perante os amigos. Isso não há quem queira.
Com toda essa proximidade do mundo real, há também seus contratempos. Duas pessoas já vieram me falar, brincando, que uma das fotos no meu álbum do orkut é um pouco "comprometedora". A foto mostra umas carreiras de coca, uma maconha prensada, um copo de caipirinha, uma maço de cigarro de baixos teores e um ovo de codorna. Foi tirada em Maceió, na Universidade Federal de Alagoas, em 1999, num Encontro de Estudantes de Comunicação. Todas as drogas eram de uns mineiros e eu apenas tirei a foto (até porque, fala sério, eu odeio cigarro de baixos teores). Porém, os comentários me obrigaram a colocar um adendo na descrição da foto. Quer prova maior que este orkut é mesmo imbatível?
Aqueles que me conhecem mais no mundo real do que no virtual (poucos, pouquíssimos) darão risadas da foto e entenderão o porquê de ela estar ali. Os outros (quase todo mundo) podem ter uma impressão errada.
Uma falha, na segunda situação, seria minha: tanto neste exemplo no mundo virtual, quanto numa possível representação equivocada no mundo real. Se você não entende o que eu estou escrevendo, ou estou pouco me importando para sua compreensão ou estou escrevendo mal. Em ambos os casos, eu estaria errado.
Acho que nem na época em que eu era radical e chamava todas as meninas de piranhas nas listas de discussão eu me preocupei tanto com o que uma brincadeira na internet pode provocar. Isso, admito, o orkut conseguiu provocar.
Daqui, peço a todos, procurem um tal André Miranda no orkut e no scrapbook respondam para que diabos serve aquele ovo de codorna na porra da foto!!