Desncontros - Tomo Quinto
Então, olhando para o espelho daquele banheiro estranho, foi que a menina percebeu: gostava da sordidez. Do alto de seus gastos dezessete anos talvez Andressa não soubesse exatamente que era sórdido o seu viver infeliz a todo o tempo com humilhações auto-dirigidas. O vexame no consciente, no inconsciente, no físico, na imagem refletida. A luminária fluorescente nos azulejos de fato azuis entorpeciam o choro que ela se esforçava para não sair fingido. Com as mãos lavava a boca, o gosto tão estranho que soava natural, a afirmação física de sua dignidade de menina posta à venda. Sempre pensava nas moças de sua idade que dormiam seguras entre bichos de pelúcia e quartos de papais que lhe procuravam pelas madrugadas, por que eles não abriam o quarto das princesas encantadas, elas que tinham os cabelos de seda e dentes brancos? Precisavam sair de casa às escondidas, decerto inventar desculpas depois, todos homens feitos, engravatados, deliravam nomes que antecediam seus nirvanas que nunca haviam pertencido a ela, mas Andressa os adotava assim mesmo. Débora, Camila, Ana Júlia. Andressa gostava de fazer de todas as princesas putas dentro dela, se desdobrava em ângulos inexistentes, inventava palavrões para serem cuspidos, sabia que todas elas um dia seriam mulheres feito ela, seriam Sodoma e Gomorra também, então, sentia como se estivesse desvirtuando as Déboras, Camilas e Ana Júlias no lugar daqueles senhores, porque elas decerto eram melhores numa cama de um jeito que eles jamais poderiam sonhar. Covardes, todos eles, um bando de covardes que não tinham coragem de sorrir e agradecer pelo serviço tão bem-prestado. Entendiam que só havia ali o espaço para a culpa, mas se a sensação daquelas noites era amarga naqueles senhores, por que eles voltavam e pediam por mais, alguns com roupas e sapatos de princesas para ela vestir? No fundo, Andressa tinha certeza que todos se enrabichavam por ela, porque não poderiam pensar em suas princesas ocupando o palco de Andressa com tal domínio de cena, e ela sabia que não precisava de nada que havia nelas, nem a neve nos dentes, nem a seda nos cabelos, nem a pelúcia nos quartos. Ela abria bastante o sorriso para receber o pagamento pela hora, gostava do susto que eles tomavam diante de seus dentes, o desconcerto em serem descobertos. O espanto dos papais diante da sordidez que ela oferecia sorridente, por vezes ainda travestida de princesa com seu sorriso puro dono de mil nomes e mil amantes, o espanto realçava o sorriso michê e então ela mostrava seus dentes com gosto, como se realmente desejasse devorar o infeliz assustado outra vez. Aquele sorriso idiota mesmo do homem que a alugava então era para uma fotografia perto da cama dele, e ela bem o sabia que não era um retrato seu. Um covarde ele, os homens são todos covardes, talvez por isso gostem tanto de fazer pelas costas e pedir para apanhar. Ah, que olhos foscos, minha cara. Daqui não sai choro porque é infelicidade consentida. Não vou embora. Danço na frente do espelho e olho com atenção a imagem decadente. Faço graça para soar patética. Acho que estou perto. Se eu tentar, se não sofrer vertigem no caminho, acho que chego ainda... não sei quando. Mas chego. Vou humilhar-me até que não sobre mais nada em mim. Então saio para viver sem medo, porque então toda humilhação terá sido gasta. Acredita mesmo nisso, olhinhos opacos? Vou voltar. Vejo-o na poltrona do quarto. Penso no que dizer para que ele devolva ofensas. Já sei, vou chamá-lo de meu amor. Apagou a luz do banheiro.
ps: Conto postado com seu devido
crédito a uma certa mineira cheia de letrinhas a serem descobertas.