domingo, julho 11, 2004

Desencontros - Tomo Quarto

O menino brincava de bola num jardim cujo gramado trocava o colorido sem maiores cerimônias, corria atrás da bola e de repente tropeçava e caía, como só as crianças conseguem tropeçar, com a graça particular de sua queda infantil. Antes que desagüasse qualquer choro, uma mulher com todo o aspecto de mãe se ajoelhava frente ao menino e então lhe sorria antes de abraçá-lo. Jonas encostou a cabeça no travesseiro e dormiu, não houve muitas delongas. Conseguia alcançar o sono com pouquíssimos carneirinhos e sempre mergulhava neste sonho, um menino perseguindo uma bola e sendo amparado pela mãe, e assim sucedia até que o sonho nada mais fosse, sobrevindo a face desconhecida de horas de descanso desacordado, onde o corpo executa maravilhas mil sem que saibamos de nada, de olhos fechados alguns roncam, outros falam e há aqueles que andam pela casa sonâmbulos. Jonas apenas dormia, os olhos fechados, o corpo recolhido em concha, a boca quase aberta e o silêncio que tomava conta de seu quarto. A menina ficou observando sentada ao lado dele com a impressão de que não entendia ou não acreditava naquela paz, talvez seus olhos estivessem na calma de Jonas mas as suas exasperações que habitavam fora daquele quarto a impediam de deitar aninhada no rapaz e se contagiar por aquele sono aparentemente tão suave. Estavam os dois nus sobre a cama, a noite adentrava tímida pelo quarto e tracejava as curvas daqueles corpos sem muita precisão. Dentro daquele sono, o corpo de Jonas descansava de uma noite ímpar, havia trabalhado bastante nas horas anteriores entre fluidos e palavrões no corpo de Melissa, a menina que não dormia a seu lado e acariciava as suas costas com as mãos cheias de dúvidas se deveriam tocar aqueles músculos ainda, músculos que a fizeram rir e chorar, calar e gritar, delirar e sufocar. O descanso ocorria com satisfação extra, o corpo estava realmente cansado mas um cansaço singular, o suor exalava mel, a dor tinha gosto de chocolate branco. Jonas bem o sabia que aquele acre em suas mãos era Melissa que estava gravada ali, alguém que ele não conhecia mas que se apresentou com um sorriso e não desvencilhou sua mão da dele após alguma conversa e um par de croissants, porque Jonas gostava da sensação de sentir o calor do salgado perto de sua boca após os seminários na faculdade e tratou de pedir um para ele e outro para a menina capaz de sorrir ao falar de nomes complicados como Wittgenstein. Acabaram na cama de Jonas porque ele simplesmente não acreditava que ela merecesse o tempero de tristeza que aparecia dentro de cada palavra, gesto e sorriso que a compunham, e a compunham tão bem. Mesmo com o sexo, Jonas percebia que a entrega tinha um quê de despedida, cada suspiro era um ensaio de adeus e aquela Melissa pedia por mais como se não mais fosse ter. Mal se falaram depois, deixaram seus corpos na intimidade do silêncio com as janelas abertas e ele dormiu, certo de que pela manhã aquele sorriso tão triste ganharia alguma outra cor além da púrpura. O corpo de Jonas em concha na palma de mão de sua mãe num jardim longe daquele quarto nada percebeu do corpo de Melissa que se vestiu e deixou aquele sono para ele, indo embora sem deixar vestígios além do cheiro acre e triste numa cama que não lhe pertencia.