Não posso falar por vocês, mas eu, um homem do século passado, ainda conservo certas crenças e referências na vida que aparentemente já saíram de moda. Romário é craque, a camisa da Seleção é canarinho, o rock dos anos 80 é uma merda, o Cazuza não gostava de mulher e o Lula é um cara de esquerda são algumas. Na minha cabeça, favorito para ganhar o Brasileirão não é o São Caetano, mas o Flamengo. Eu ainda acredito em aperto de mão, em pacto de sangue, em juras de eterno amor. E não, não acreditei no Plano Cruzado.
Pois bem, eis que os tempos cada vez mais modernos me isolam num mundo de referências ultrapassadas. Quer ver? A Barbie, a boneca peituda e loira de pernas imensas, rainha da América e das pré-adolescentes, a fantasia que todo homem tem, separou do Ken. Eu duvidava que esse dia fosse chegar, e olhem que sou publicitário formado. Não só separou do Ken, como ainda vestiu um decotão e caiu na guerra. Teve a cara de pau de aparecer na capa da Capricho mais recente com dois tipos às suas costas, dando uma piscadela sacana para o fotógrafo e adornada pela chamada: "Barbie separa do Ken e já arruma outro - Veja como fazem as meninas que não ficam muito tempo sozinhas" ou algo parecido.
Os tempos não perdoaram nem o pobre do Ken, bonitão, bem-nascido e aparentemente esposo devotado. Daqui a uns meses poderiam lançar uma versão pós-divórcio dele, barbudo, alcoólatra, gordo, com um cigarro gasto no canto da boca e uma camisa dos Doors no lugar do smoking. A impressão que fica é que o amor, essa besteira que tanto vende bichos de pelúcia, escreve versos, compõe músicas, comete suicídios e assassinatos, se submete às situações mais ridículas e gosta dos filmes da Julia Roberts, o amor já era. Convenhamos, se as meninas que lêem Capricho e brincam de Barbie já não acreditam na tolice do amor, o que será de gente como Sheakespeare, Guevara, Lennon, Manuel Carlos e André Miranda?
Um bêbado muito mais habilidoso que eu (e muito mais bêbado também) escreveu outro dia que o amor deveria ser infinito enquanto durasse. Os doidões do LSD viviam com o lema "se ligue, curta bastante e caia fora". Como tudo isso foi dar na globalização e no Orkut, é algo que poderia ser objeto de estudo. A lógica do amor de encontrar o alguém ideal e compartilhar sua vida com esse alguém, tal qual o time do Botafogo, virou peça de museu, e daquelas peças menos valorizadas. A lógica agora é aquela do Zeca Pagodinho, a lógica do "Experimenta!". As meninas da Capricho já querem encontrar o número máximo de garotos que a noite permitir, e ririam fragorosamente se um dos pobres moleques lhes viessem com histórias de amor entre tentativas quase sempre infrutíferas de descolar um peitinho.
O chato da história toda não é que as meninas da Capricho estejam beijando mais. É que elas estão beijando mal. O grande barato de encontrar alguém é tornar-se cúmplice, dividir madrugadas e aprender truques novos. Isso leva tempo e exige alguma dedicação mútua. O consumo é imediatista, o convívio não. É como cantava o ex-magro Axl Rose, precisa apenas eu pouco de paciência. Essas meninas da Capricho, tadinhas, desse jeito nunca irão saber o que é o tal do orgasmo. Quem nasceu pra Big Mac, nunca aprende a fritar bife.