segunda-feira, junho 21, 2004

Mais apropriado: "Cazuza, exagerado"

Pelo filme "Cazuza, o tempo não pára", a gente chega à conclusão que o Cazuza era chato demais. Porque, no filme, eu vi um cara que só fala frases de efeito, é mimado e adora tirar uma onda babaca. E, não, eu não sou um nerd recalcado e reprimido que gostaria de agir daquela forma tresloucada, mas não tem coragem. Infelizmente eu tenho coragem e, em momentos de perda de razão, já saí pelado no meio da rua, gritei com desconhecidos, bebi rabos de galo nas piores biroscas do mundo e falei coisas sem sentido (e outras coisinhas mais). A chatice que eu vi o Cazuza ter naquele filme não tem nada a ver com qualquer tipo recalque, tenham certeza.

O problema dos anos 80 são, simplesmente, terem vindo depois dos 70. Meio ridículo, né? Mas a juventude pedia paz e liberdade na década de 70, queria se despir de pudores e viver as sensações intensamente, sem repressão. Pois bem, na parte do mundo capitalista, eles conseguiram essa liberdade na década de 80 e não souberam o que fazer. Era coisa demais para quem tem vinte e poucos anos. Viraram revoltados. Experimentavam para chocar, não por experimentar. Não souberam lidar com o que tinham e quiseram agredir. Um jovem dos anos 80 não usava drogas porque queria experimentar prazeres: usava-as para agredir pais, igreja e sociedade. E, na boa, isso é babaca, muito babaca.

O problema era achar graça no que passou a ser permitido. Dançar, transar, fumar, discordar e pensar não bastavam! O proibido sempre gerou um fascínio e quando as proibições começaram a minguar, algo deveria ser feito para a vida valer a pena e ter sua graça. Nesse contexto, que eu não vivi, viveu o Cazuza. Nesse contexto, com muita grana nas costas para o proteger de qualquer problema que pintasse pelo caminho.

O Cazuza que eu vi no filme é um produto muito babaca de uma época babaca. Mas será que épocas podem produzir babaquices como aquela, babaquices full-time? O Cazuza do filme é babaca o tempo todo. É daqueles caras que todo mundo adoraria dar uma porrada, principalmente os pais, por mais ausentes e complacentes que eles pudessem ser. O Cazuza que eu vi no filme não encontrava sentidos para as coisas. Dizia que gostava da imperfeição, mas se achava perfeito demais para o mundo. Falava e fazia loucuras porque achava a loucura interessante, não por achar a poesia e os gestos interessantes.

Eu não conheci Cazuza e nem sou um fã. Lembro de coisas, mas poucas. Tenho 25 anos. Quando ele morreu, eu tinha uns 10. Mas já ouvi relatos e li muita coisa. Não acho que o Cazuza tenha sido um chato. Não acho que ele não fosse capaz de dar sentidos a pensamentos lógicos e ficasse o dia inteiro recitando poesias ruins. Porque até uma poesia fora de contexto é uma arte ruim - deixo claro que não estou bem certo disso, dessa análise da natureza da poesia.

Esquecendo por alguns instantes que o Cazuza existiu: o personagem no filme que eu vi é péssimo, pouquíssimo interessante e não cria conflitos (é louco o tempo inteiro). E um filme sobre um cara assim vai ser sempre, sempre uma porcaria.

Portanto, das duas, uma: ou o filme é muito ruim ou Cazuza era chato mesmo. Há ainda, no filme, os clichês oitentistas: rádio transmitindo jogo com Zico, Diretas Já, Queda do Muro, Bomba no Rio Centro. O chato dos anos 80 é todo mundo lembrar só das mesmas coisas, das mesmas cenas. Se não tem nada interessante para lembrar, que não se lembre de nada. Além disso, as cenas ficam perdidas, sem conexão umas com as outras - cenas que só existem para mostrar a "poesia" e a loucura super-humana daquele Cazuza.

Por isso, bacana lembrar do cara, me amarro na música, a fotografia é boa (um pouquinho exagerada, como o personagem, o filme, os anos 80, mas boa), só que o filme, infelizmente, é ruim, muito ruim. Entre gostar do filme e continuar gostando do Cazuza, prefiro continuar com o Cazuza.

PS. É, o filme é ruim, mas eu não acho que os anos 90 tenham sido muito melhores e que um filme sobre um... Chico Science valeria o ingresso.