quarta-feira, junho 30, 2004

Desencontros - Tomo Segundo

Heitor dormia pouco, e o pouco que dormia, dormia mal. Não gostava de fechar os olhos e depender do passar de horas para voltar à vida. Tinha medo de dormir e não mais acordar, um desses medos que a gente arruma sem entender e os aceita como se fizessem parte de nossa natureza desde sempre. Por conta disso, acreditava que dormir era morrer e não sonhava nunca. Ademais, tinha certeza que a cidade era melhor e mais bonita quando de noite, sem os gritos e os cheiros e os guardas de trânsito com seus apitos. Gostava de ouvir a cidade em descanso, os letreiros pulsando e os bêbados derradeiros atentando as putas sobreviventes. Caminhava bêbado de volta para casa, a noite era quase fria e resolveu alugar os afetos de Andressa, que dizia ter 28 anos apesar das espinhas no rosto. Ela fazia ponto na esquina de sua rua e nada disse enquanto ele pendia na calçada, como se a garrafa vazia é que estivesse o segurando em pé, olhando a menina em trajes de puta fumando sem charme algum um cigarro de puta meio amassado. Quanto voxê cobra, mina? ele perguntou apesar da língua pesada dentro de sua boca, e ela respondeu que não era mina coisa alguma. Meu nome é Andressa, tenho 28 anos nessa buça aqui, tá? Ele riu da resposta desaforada dela, riu feito o ébrio que interpretava. Quanto, caralho? ele tornou a perguntar, agora com menos finesse, crendo que poderia intimidar de alguma forma a garota que passava madrugadas inteiras ali sozinha na esquina na espera de desconhecidos desejosos de penetrá-la por alguns minutos, ofegantes, não raro sujos e mui mal-educados. Cinqüenta a hora, malandrão, mas nesse estado acho que tu num güenta nem ficar acordado. Heitor riu, gargalhou e tomou o último gole que restava da garrafa vazia. Pegou Andressa pela mão e ordenou, com uma súbita voz de macho "Vamos". Foram. Rumo ao nada, na direção do apartamento de onde Heitor dedicava madrugadas a cigarros que se apagavam e olhar para as esquinas silenciosas, onde Andressa ganhava a vida. Ele queria ter o prazer da moça lhe abrindo o cinto, e elogiando o membro, e beijando a carne, devorando como se fosse um sumo prazer estar ali com ele. Sentou numa cadeira e deixou Andressa serviçal de joelhos, a cidade aparecia a seus olhos saudando a noite, a esquina agora vazia lhe dava uma sensação que não acreditava ser capaz de experimentar. Em seu colo, Andressa agia voraz e era como se a noite e o silêncio e mesmo o vento mudo da cidade o devorassem, sentia como ela lhe dedicava alguma raiva e vingança no ato, como se estivesse a fagocitá-lo, pronta para cravar os dentes e fazer daquele sorriso idiota em seu rosto pura dor e então Heitor se deu conta de que nunca em vida havia sido ser tão bom ser homem e possuir um glorioso pênis para ser lambido e beijado, gozou como se não estivesse pagando por aquilo tudo, como se aquela menina de joelhos o amasse, como se ainda tivesse forças para aproveitar os quarenta e dois minutos de sexo a que ainda tinha direito com Andressa. Não se importou quando Andressa correu para o banheiro para lavar a boca, ficou estirado no sofá com os olhos pregados no sorriso de Melissa fotografado emoldurando sua estante, que lhe amava a seu modo mas nunca havia sido capaz de deixar a luz acesa para o sexo e naquela noite não havia o procurado, sabia-se lá onde ela poderia estar. Ouvia a menina chorar baixinho no banheiro enquanto lavava a boca e sorriu vencedor para a noite que lhe parecia cada vez maior.