sexta-feira, junho 25, 2004

Desencontros - Tomo Primeiro

Não, pequena, por favor não se vá, não se vá, não se vá implorava a voz do negro que chorava junto de uma guitarra no rádio do taxista. Devia ser muito boa de cama aquela pequena, a voz do negro saía triste dos alto-falantes, numa profusão sem fim de não se vás e por favores até que o negro enfim confessava que tudo o que havia aprendido em vida, e pela voz dava para ver que o negro já devia ser meio velhinho, era amar, amar, amar e amar a sua pequena. É bonito, né? o taxista sorriu seus dentes amarelados, negro ele também e aparentemente falador, os taxistas gostam de falar, a conversa te ajuda a não desligar e dormir no volante, deve ser muito triste quando alguém que você ama vai embora assim. Ele olhou a moça que levava de passageira, olhos pequenos que observavam o capô e o vidro do táxi refletirem as nuances da cidade de madrugada, um bonito mas não pomposo vestido negro, seios que o cinto de segurança atravessava e desenganava o volume, uma estrelinha tatuada na mão que segurava a bolsa. Pensei que tinha dormido, se quiser eu troco de estação, dona, o taxista sempre procurava sorrir ao falar com a clientela. Não precisa, ela respondeu, a música é triste mas muito bonita, parece o amor, de certo modo, e riu um riso bem distinto daquele amarelo e bonachão do taxista, um riso que continha alguma dor, que talvez fosse mais ironia que felicidade, que poderia mesmo disfarçar o choro que se camuflava na guitarra do negro. O taxista então disse que também tinha uma pequena em casa, Luana, a gente se juntou tem dezessete anos, nunca teve filhos porque Luana tinha um problema médico nos ovários e era triste, ele muito gostaria de ser pai. O coração dela apertou um pouco com a confissão inesperada do negro, chegou a esquecer a noite iluminando o carro e se fixou nos olhos um tanto abatidos do taxista, a mão direita arrumou os cabelos como fazia sempre que pressentia a tensão aumentar onde quer que estivesse e ouviu ele dizer que anos atrás Luana havia fugido de casa, triste por não poder dar um filho ao homem que a tanto amava. Acordei e ela não estava mais lá, Deus livre qualquer um disso, o taxista diminuía a marcha para pegar o contorno, só fui achá-la dois dias depois, dormindo na praça lá do bairro, imagine isso! Ele riu, um pouco nervoso, é a segunda direita, né? Ela assertou com a cabeça em movimentos curtos e o homem disse que decidiram adotar uma criança uma semana depois de trazê-la de volta para casa, a Diana tem quinze anos, você precisa ver como a minha neguinha é um barato. Havia tido um final feliz o drama homem, que sorriu em júbilo ao falar de sua filha. Que bom que deu tudo certo no fim, né? ela disse com um sorriso menos triste, já apontando o seu destino final, é ali, moço, obrigada por tudo, quanto sai a corrida? É, deu trabalho mas tudo acabou certo no fim, como o amor tem de ser... são treze reais, dona. Ela pagou quinze e disse que ele poderia ficar com o troco, é pelo blues e pela história, sorriu. Ele agradeceu, desejou uma boa-noite e partiu anônimo.