segunda-feira, fevereiro 09, 2004

Neil é um homem velho, seus cabelos estão caindo, suas feições estão cansadas. Ele olha para a câmera e você sente do outro lado que as palavras não serão suficientes para o velho descrever a experiência de subir num palco para tocar suas músicas há mais de 25 anos com a sua banda por excelência, a Crazy Horse. Num dado momento, ele diz que a banda se comporta de fato como um cavalo louco: cada reação que ela produz é totalmente inesperada.

Dá gosto ver o velho empunhando a sua Gibson Les Paul preta, encurvado sobre ela e produzindo a maior distorção possível junto de seus bons companheiros da Crazy Horse. Para quem se enquadra na categoria "fã de rock", quase uma doença e certamente um vício, só a imagem dos coroas batendo cabeça sobre um tablado já emociona. Para quem é fã de rock e já presenciou a Crazy Horse a olho nu, perto deles e de outros doentes musicais, não é difícil entender porque Neil sente-se quase impotente diante do entrevistador ao tentar definir tantos sentimentos com seres quase físicos que são palavras. E de pensar que tem gente que escuta coisas como Coldplay e Emerson Nogueira e acha que é rock.

É aí que reside a graça de “Year Of The Horse”, do diretor Jim Jarmusch. O filme gravado (orgulhosamente) em Super-8, vai além do registro documental. É praticamente um abraço, um beijo, um agradecimento a Neil e seus cúmplices Frank "Poncho" Sampedro, Billy Talbot e Ralph Molina. Entre a banda apresentando clássicos ao vivo como "Tonight's The Night", "Sedan Delivery" e "Like a Hurricane", aparecem registros em vídeo compilados entre 76 e 86 com camarins e bastidores do Crazy Horse, depoimentos da banda, de seus roadies e mesmo do pai de Neil. Danny Whitten, guitarrista original da Crazy Horse morto por overdose de heroína em 74, é lembrado com emoção pelo batera Ralph Molina. Uma lata impagável de Skol Lager (!!) aparece junto de um baseado num backstage dos anos 70. Sampedro, que cativou meu coração roqueiro durante sua performance insequecível em "Fuckin’ Up" no Rock In Rio 3 (saudades), sacaneia o diretor Jarmusch, o próprio Neil e conta piadas de bateiristas para o batera num quarto de hotel. A câmera de Jarmusch empresta um grau de humanidade aos velhinhos que você, mero mortal, só poderia conseguir sentando-se com eles para desgustar uma gelada – algo pouco provável uma vez que Neil não é exatamente um sujeito social. Então, aproveite: o DVD sai por 10 pratas nas Americanas.

Quando os últimos gritos de uma devastadora "Like A Hurricane" ecoam pela tela, a impressão que se tem é de que você vai ficar com saudades daqueles coroas. Eles sobreviveram a mais de trinta anos de rock and roll. Teve gente que não segurou a barra nem trinta dias. O velho Neil e seus Cavalos Loucos continuam de pé, porque é melhor queimar de uma vez do que se apagar aos poucos.