quinta-feira, fevereiro 05, 2004

Antes de escrever sobre Cidade de Deus, vou escrever umas coisas sobre o Clube de Regatas Flamengo, meu time de coração. Este camisa 10 chamado Felipe deveria, antes de ser convocado, ser beatificado em Roma; o camisa 1 chamado Júlio César poderia ser mantido no time; já o restante da foto, podem desovar. Vivos.

Cidade de Deus foi indicado para o Oscar em quatro categorias, para a alegria dos cadernos de cultura dos jornais deste país. A saber: melhor direção, melhor fotografia, melhor edição e melhor roteiro adaptado. Além de tornar a transmissão do evento mais divertido em nossas televisões (teremos o Zé Wilker, o Rubens Edwald Filho e o Jabor se comportando que nem o Galvão nas corridas do Senna) e servir para cinéfilos trocarem mais e-mails e consumirem mais cerveja, a notícia das indicações para CDD fez justiça com o filme brasileiro mais notório desde a chamada retomada. Eu, particularmente, vibrei com o fato do banal Carandiru ter ficado de fora, mas isso é outro papo.

Quem leu o livro (muito bom, autoria de Paulo Lins) que dá nome à película, sabe que o filme não retrata tão fidedignamente a estória narrada. Porém, personagens e o ambiente do livro são muito bem enquadrados na tela por Fernando Meirelles, o diretor e também co-roteirista de CDD. Quem não viu o filme (herege!) tem a chance de não ficar boiando na próxima mesa de bar em que sentar a partir do próximo fim de semana, quando o filme volta a entrar em cartaz em nossos cinemas. Eu, assumidamente fã da fita, pretendo revê-la assim que der.

Lógico que as indicações ao Oscar não dependem apenas de talento de diretores, editores, atores e demais coadjuvantes. A Academia representa Hollywood, e Hollywood, meus caros, representa $uce$$o. Grana, bufunfa, bala na agulha. A produtora ianque Miramax encampou o filme e se encarregou de promovê-lo, para dar mais visibilidade a seu produto. Mesmo que nenhuma das estatuetas douradas venha aportar em terras tupiniquins para fazer companhia à Taça do Mundo, podem apostar que CDD vai arregimentar mais outra pequena montanha de dinheiro sendo exibido, pelo menos, na Matriz e na sua Filial tropical.

Ocorre que CDD, além de ser um produto comercialmente redondinho, é um puta filme. Ou, melhor dizendo, é um produto comercialmente redondinho por ser um puta filme. Sua fotografia e edição, ambas indicadas, fazem perfeitamente jus ao prêmio, se for o caso. São tão ágeis que chegam a ser orgânicas. O filme pulsa, ajudado pela trilha sonora infernal e uma tensão constante entre personagens e platéia, especialmente num cinema alocado no Rio de Janeiro. Fernando Meirelles merece a indicação (a estatuaeta eu daria para Peter Jackson e Clint Eastwood) como diretor, pois amarrou seu roteiro ao livro e deu identidade própria ao filme, que de quebra caiu no imaginário popular pelo linguajar brasileiríssimo (carioquíssimo, sendo mais sincero) de seus populares – impossível ficar impassível diante da pérola "paulista nenhum pode ser um cara maneiro" ou esqucer o chavão "Dadinho é o caralho, o meu nome agora é Zé Pequno, porra!".

Verdade seja dita, paralelo a CDD, o diretor Beto Brant (o melhor do Brasil, deixa eu também inventar meus dogmas) lançou o seu O Invasor, com a pecaminosa Mariana Ximenes e o impagável Titã Paulo Miklos, um filme que trata basicamente do mesmo tema que a fita de Meirelles, a violência e o crime, mas de forma muito mais incisiva, muito mais inteligente, muito menos inocente e que pra sacramentar apresentava a Malu Mader de coadjuvante. O que eu penso é que o fato de O Invasor ser excelente não invalida a também excelência de CDD. São dois filmes, cada um tratando o tema a partir de olhares distintos e válidos. Disseram também que a violência por horas excessiva em CDD (que apresenta um final feliz, surpreendam-se) era espetaculosa, para inglês ver, surreal. Discordar eu não vou, mas recomendo a todos que leiam o livro após ver o filme.

Resta agora saber se Knockout Ned & cia. também serão derrotados pela Sociedade do Anel. Seria uma pena.