segunda-feira, setembro 15, 2003

A cidade e a cilada de Júlio Sarmento (parte 4)

(continuação do dia 12 de setembro de 2003)

Convencido de que poderia estar cometendo o maior erro daquela noite, e talvez até de minha vida, resolvi recusar a proposta de Bia. Não tinha dúvidas de que a amava infinitamente, mas tinha dúvidas se deveríamos nos apressar daquela forma, atrelando o sexo ao primeiro capítulo de uma bela história de amor, oxalá eterna. Talvez fosse culpa de minha criação religiosa, mas eu realmente tinha uma certa repulsa ao ato sexual. Apesar de não admitir, eu achava o sexo nojento.

E era eu mesmo, Júlio, o arrogante metido a intelectual, que não conseguia falar de sexo sem que sua alma ruborizasse. Não precisa ficar com vergonha, menino, imagine que sou sua mãe. Maldita prostituta, maldita Maura que oito anos passados praticamente havia abusado de mim naquele maldito prostíbulo da Praça da Bandeira. Pedia para que eu relaxasse e ia abaixando minha bermuda e minha cueca. Você sabe usar camisinha, menino? Você não sabia usar camisinha, Júlio Sarmento. Você, inocente acólito nas missas dominicais, mal sabia o que era uma camisinha. E você disse isso a ela, a prostituta, a Maura. Não senhora, não conheço exatamente o mecanismo para o melhor funcionamento do preservativo. Nós estávamos no segundo andar, mas sua gargalhada certamente foi ouvida na rua em frente.

Maldito tio que me levou naquele lugar. Dizia que eu tinha que virar homem logo, para não perigar me perder pelo caminho. Mas eu já sou homem, tio, tenho 15 anos, sou Júlio, um homem. Aconteceu em fevereiro, no período do carnaval. Meu tio me levou para dar uma volta, dizendo a minha mãe que iríamos tentar acompanhar os desfiles na Marquês de Sapucaí. Até hoje acredito que meu pai fora cúmplice nos malévolos planos de meu tio. Na quinta-feira seguinte, lá estava eu, enfrentando a triste realidade. Pequei, D. Tadeu, cometi um pecado mortal e preciso do perdão divino para novamente receber a eucaristia. Pequei, D. Tadeu, pequei contra castidade. Solitário como sempre, Júlio? A única pergunta de meu amigo confessor foi minha maior desgraça e minha resposta talvez tenha sido sua maior decepção. Júlio, você virou um homem e agora deve tomar cuidado com as muitas tentações que provocam os adultos. Daí até meu rompimento com a Igreja, nas poucas vezes que precisei confessar o pecado contra castidade acompanhado, procurei outro sacerdote, que não D. Tadeu.

E lá estava eu, bêbado na Lapa, decidido a não me render novamente à tentação dos prazeres da vida. Bia notou meu desconforto e me olhou profundamente com aqueles olhos. Questionavam-me em silêncio. Temi que ela pensasse que minha paixão havia sido movida a álcool e não a verdadeiros sentimentos.

- Que tal se deixarmos para outro dia a visita a seu lar?
- Não.

Como não, Beatriz Carvalho? E foi um não lacônico, sem sorriso, sem mudança de expressão, sem nem uma piscadela de olho. Ela só disse não e mordeu o lábio inferior. Em seguida pegou meu braço com sua linda mãozinha que há pouco eu havia beijado e me puxou para dentro do cortiço. E não, ela não me deu escolha e nem eu fiz lá grandes esforços mentais para me decidir por resistir.

Bia me puxou através da porta e eu me vi subindo as escadas velhas e rangentes do cortiço em seu encalço. A velha na recepção, a dona, a Jana, ainda reclamou de eu estar entrando em seu estabelecimento ensopado daquele jeito. Bia argumentou e pediu carinhosamente que ela cedesse pelo menos daquela vez porque eu era um amigo querido que precisava se abrigar da chuva. Dona Jana me pareceu ser uma boa pessoa. Deixou-nos entrar com um sorriso e com palavras que mostraram uma certa intimidade com minha anfitriã, minha Bia.

A Pensão da Jana só tinha dois andares. A escada para o segundo andar, o do quarto de Bia, ficava bem próxima à porta, à direita da recepção onde estava naquele momento Dona Jana. Não reparei em movimento no corredor do térreo, mas eu poderia estar enganado. No corredor superior não havia, de forma alguma, sinal de movimento. O carpete verde dos corredores tinha um cheiro estranho que me lembrava morfina - mas apenas a palavra, não seu odor, que eu não tinha certeza se conhecia. As paredes eram revestidas de papéis velhos, já rasgados em alguns cantos, e com sinais de mofo por detrás. Eram azulados, bem escuros, com grandes margaridas desenhadas em vários pontos.

O corredor tinha o formato de um "L" e deveria ter uns 25 metros no total. O quarto de Bia, o 205, era o último à direita antes da curva.

(continua em breve)