É tudo ficção mesmo, gente!
Descobri que a caretice me atrai. Não tem nada a ver comigo essa coisa de ser porra-louca, de beber todos os dias, de vagar sem rumo. É tudo besteira. Fico por aí dizendo que o romance da minha vida foi Lolita, que o show da minha vida foi o do Bowie e que eu adorei Lucía e o Sexo só para aparecer. Adoro lembrar o significado do radical grego do meu nome, mas nunca participei de nenhuma suruba e meu sonho de diversão numa casa de swing não passa de sonho.
É uma perda de tempo ficar querendo ser uma coisa que não sou. Eu deveria voltar para a Igreja, isso sim. Tem mais a ver comigo ficar rezando Salve Rainha em latim do que ouvir Mutantes. Para o caralho com os filmes do Lynch! Eu os vejo porque acho onda. E Rimbaud então? Eu nunca entendi de verdade a porra do Rimbaud.
Nessa semana eu resolvi que iria escrever uma besteira aqui pelo menos uma vez por dia. E resolvi também que adotaria um tom revoltado com a vida e comigo mesmo. Mas eu não sou assim, merda! Fico perdendo meu tempo dizendo que eu gosto de Saudek, Arbus e Hopper, só que é tudo falso. Eu estou tentando te enganar.
Aí, num dia qualquer, eu bebo uns dois ou três drinks a mais, chego em casa e escrevo a cretina frase "a caretice me atrai". Até nessa confissão eu tento fazer gênero, tento parecer um revoltadinho que eu nunca fui. Seria muito mais sincero se dissesse algo como "eu não sou exatamente o reflexo do que eu pareço ser". Ou algo até menos posudo, como "eu preciso remover minhas máscaras". Mas nem na hora de assumir minha caretice eu consigo ser careta.
E nem acho que sou mais valorizado por essa postura rebelde-intelectual. Do que adianta os outros acharem graça quando eu chamo as meninas de putas se elas não vão querer trepar comigo? Eu nunca consegui comer menina alguma que eu tenha chamado de puta. E para que eu chamo, então?
Olha que eu me acho inteligente, bonito e charmoso. E em ordem inversa. Porra, por que eu não posso somente me achar careta? Por que eu não paro de andar com calças rasgadas, casacos esquisitos, um tamanco horroroso e tênis velhos? Ninguém acha graça na minha cueca samba-canção de sapinhos!
Se me perguntarem, vou dizer que já pratiquei BDSM, mas é mentira. Fiz no máximo umas brincadeiras de curioso. Minha libertinagem é pseudo-ideológica. E com bebida a coisa é pior. Tiro onda de beber cerveja, mas não conseguiria diferenciar uma Guiness de uma Caracu. Warsteiner e Belco fariam o mesmo efeito. E se eu disser que gosto de charutos Romeu e Julieta, exija-me uma explicação para ver minha cara de tapado. Não sou nada disso que pareço. Sou pose, sou marketing.
Devo ter escolhido o jornalismo como profissão por glamour também. Um glamour escroto, aliás, que faz a gente pensar que entendemos de tudo quando na verdade não entendemos de merda alguma. Eu pelo menos sei que sou um merda que entende no máximo de tocar punheta com a coleção velha de Playboy do irmão. Porque só os caretas compram Playboy. Os modernos, como eu quero parecer, dizem que não precisam disso. Nas vezes que eu comprei Playboy eu disse aos amigos que queria ver o trabalho do fotógrafo. Porra, eu dizia isso até para o jornaleiro. Eu fazia pose para um jornaleiro que estava pouco se lixando para minha vida. Eu faço pose até para os palhaços que tentam vender nariz vermelho em sinal de trânsito. Porra, eu não sou mais criança.