sábado, agosto 09, 2003

Delírios Pornográficos Infantis

Quando criança eu curtia ficar lendo as páginas de tijolinhos dos jornais para saber de todas as peças, shows e filmes que aconteciam na cidade. Pois é, meu universo cultural era restrito àquelas páginas. O que não estivesse ali, nem no meu mundo das idéias estava: simplesmente não existia.

Meu maior interesse se concentrava nos filmes e espetáculos proibidos para menores de 18 anos. Se eu fosse psicólogo, eu diria que tudo que é proibido atrai naturalmente o ser-humano. A mim atrai, pelo menos. E quando eu era criança atraía muito mais, principalmente a idéia que qualquer coisa proibida para menores presenteava o público com alguns nus femininos. Inocente, nem passava por minha cabeça um nu completo e frontal. Eu queria ver mesmo os seios das atrizes.

Não me lembro bem da descrição de Perdas e Danos, filme de 1992, do Louis Malle. Mas devia dizer coisas do tipo: "Drama. Com reputação intocável e comportamento exemplar, político inglês se apaixona por noiva do filho e vive tórrido romance às escuras". E o tijolinho ainda me contava que o filme era uma produção conjunta entre França e Inglaterra e que dele participava uma atriz chamada Juliette Binoche. Ah, e o mais importante era sua classificação etária, lógico. Aquilo não era pouco para um garoto de tenra idade com centenas de hormônios borbulhando no sangue. Naquele pequenino espaço reservado a um único filme havia quatro informações essenciais: tórrido romance francês com Juliette Binoche para adultos e ponto final. O resto, senhores, era resto e não me importava. E eu nem tinha idéia de quem diabos era Juliette Binoche, mas com um nome desses, sonhava eu, deveria ser suficiente para meus hormônios me deixarem em paz por alguns dias.

E eu apenas sonhava, não podia ver o filme mesmo. Culpa do tal do ECA. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é a alcunha famosa da lei federal nº 8069, aprovada em 13 de julho de 1990. No Livro I, Título III, Capítulo II, Seção I, Artigo 74 do ECA encontramos as seguintes besteiras: "O Poder Público, através do órgão competente, regulará as diversões e espetáculos públicos, informando sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada". E ainda temos no Livro II, Título VII, Capítulo II, Artigo 255 do mesmo ECA: "É infração administrativa exibir filme, trailer, peça, amostra ou congênere classificado pelo órgão competente como inadequado às crianças ou adolescentes admitidos ao espetáculo". A pena ao infrator? Multa de vinte a cem salários de referência e, se houver reincidência, o estabelecimento pode ser fechado por até quinze dias.

O que importa nessa citação legal é que o tal órgão competente do Poder Público entendeu que o peitinho da Juliette Binoche, naquele longínquo ano da década de 90, só poderia ser visto por maiores de 18 anos. E na minha época de criança eu não pude assistir a Perdas e Danos e tive que me satisfazer em sonhar lendo o tijolinho do jornal.

Mas até que essa restrição etária me trouxe algumas compensações. Nunca mais me esqueci da Juliette Binoche, por exemplo. Para mim, junto com o tal do Grande Elenco - ator presente a quase todas as peças de teatro que anunciavam nas páginas de tijolinhos dos jornais - Juliette era um dos mais importantes artistas do mundo. Eu a imaginava alta, com coxas muito bem torneadas e a pele ligeiramente corada pelo sol dos trópicos. Sim, eu sabia que Binoche deveria significar alguma ascendência francesa, mas Fittipaldi, Piquet e Senna, ídolos de um jovem louco para ter ídolos, também não eram exatamente arquétipos do herói brasileiro. Juliette poderia viver no Brasil, sim, e o objeto de meu sonho poderia não estar tão distante como as aparências insistiam. E ainda tinha seus seios. E que seios deliciosos deveria ter minha Juliette! Nem tão grandes, nem tão pequenos, com bicos rígidos e rosados. E empinados como deveria ser seu nariz. Era isso que eu adorava: imaginar o nariz e os bicos dos seios de Juliette formando uma paralela imaginária.

Por anos eu abriria os jornais em busca de um tijolinho que me aproximasse ainda mais de minha Juliette Binoche.