quarta-feira, agosto 13, 2003

Clowns

Uma coisa que poucos entendem é a diferença entre palhaços e clowns. O termo palhaço tem sua origem na palavra italiana "paglia", referente à palha usada para revestir colchões. As roupas primitivas dos palhaços eram feitas a partir do mesmo tecido daqueles colchões, daí o nome. Já o termo clown vem do "clod" inglês e se refere a coisas rústicas e campestres.

O clown aparece basicamente no século XX, quando o palhaço deixa o picadeiro e vai para as ruas, teatros e cinemas. Mais do que provocar riso, o objetivo do clown é adotar uma postura diferenciada diante da sociedade. O clown quer se mostrar como ele realmente é. Ele não se fantasia e simplesmente atua de forma caricata para parecer engraçado. O clown faz graça através da realidade. Ele não usa roupas largas, barrigas falsas e sapatos grandes.

Para o clown, a melhor máscara é aquela que menos esconde e mais revela - como um nariz vermelho, por exemplo. Porque o clown quer mostrar seu lado patético e ridículo. Ele quer expor seu íntimo.

E as pessoas riem dessa relação de intimidade estabelecida com o clown. O público se identifica com as pernas finas, a cabeça chata, o olhar triste e a simplicidade dos gestos. O público gosta de ver um semelhante atuando tão bem sem grandes adereços e truques, a não ser uma refinada técnica.

Enquanto o palhaço vem de uma tradição passada de pai para filho, o clown surge da necessidade de se adequar a arte do cômico à realidade. Muito mais do que mostrar a si mesmo, o importante é fazer tremer as máscaras da sociedade.

Chaplin é um exemplo de fácil visualização, mas eu ficaria com Giulietta Masina como a mais expressiva clown do cinema. Em seus papéis com Fellini, seja como a abusada Gelsomina, a sonhadora Cabíria ou a receosa Giulietta, ela expunha seu físico não tão sexy, numa época onde o padrão de beleza era as curvas de Marilyn, e provocava risos de cumplicidade. Meu sonho sempre foi dançar mambo como ela em Noites de Cabíria.

O trabalho de Giulietta mostra que o clown não é simplesmente um personagem, mas a libertação da ingenuidade e do ridículo de cada um, revelando uma comicidade contida. Um clown é pessoal e único.

Acredito que já ficou clara a minha admiração pelos clowns. Eu sempre quis ser um, aliás. Na infância, talvez como qualquer criança, eu temia os palhaços por suas roupas coloridas, gestos exagerados e gargalhadas. E como eram assustadoras aquelas gargalhadas. Mas o clown não. O clown pouco ri, a não ser de seus defeitos.

Enquanto os palhaços vêm sumindo graças à profissionalização dos circos - não há mais espaço no espetáculo para números longos que dependem da interação do ator com uma única pessoa de uma platéia lotada - os clowns vêm se proliferando em locais onde a realidade social é danosa. No Rio de Janeiro, temos em todas as esquinas meninos sujos e subnutridos fazendo malabarismo com bolas de tênis a fim de receber algumas moedas. Alguns não têm a perícia adequada e mal conseguem brincar com duas bolas. Às vezes, o sujeito do carro ao lado dá risada quando uma bola cai. O suor na testa, a cara de esforço e a língua para fora do menino são ignorados. Às vezes, o clown também ri, num intuito de despertar alguma piedade e receber algum trocado. Só às vezes dá certo.

Mas é essa mesmo a vida dos clowns, ficar fazendo graça com suas fraquezas e perante suas incertezas. É famosa a história do homem inglês que foi em busca de um psicólogo para tentar resolver sua falta de vontade de viver. O psicólogo fez várias perguntas acerca de amigos, família, dinheiro e mulheres. Nada faltava ao tal homem. A receita do psicólogo, portanto, foi procurar o clown Garrik: "ninguém na Inglaterra consegue ficar deprimido perto de Garrik". O homem argumentou e questionou se não havia outra solução para seu problema. Em vão. "Só Garrik poderá ajudar", insistiu o psicólogo. "Então, doutor", disse o tal homem, "meu problema não tem cura, porque eu sou Garrik".